A casa das sete mulheres - Letícia Wierzchowski

Título: A casa das sete mulheres
Autora: Letícia Wierzchowski
Editora: Bertrand
Trilogia Farroupilha - livro 1
Páginas: 462

"Mil cavaleiros marchando oito dias sob a chuva. O frio desse continente lhes entra sob a pele como agulhas de gelo, o vento gruda no corpo os andrajos ensopados. A maioria tem os pés descalços, pisa na terra gélida que engole seus dedos como a boca ávida de um morto. O frio entrando pelas solas dos pés não é nada. Há uma força nesses homens. Há uma centelha de coragem que arde no peito de mui poucas criaturas sob esse céu. Que animus os move? Por qual sonho morreram tantos, nessa manobra e em outras da guerra? Qual o assombro que mantém viva a chama em seus olhos cansados, molhados de chuva, em sua carne faminta e emagrecida e mutilada? Há alguma coisa nesses homens. Algo de sobre-humano, de celeste, de bestial. Algo para além das fronteiras dessa carne. Vem do chão, viva energia que os alimenta a cada légua, que insufla em seus corpos a força para prosseguir contra todas as tempestades, a despeito do mais rigoroso dos invernos, esquecendo todas as derrotas. Os farroupilhas."


A Guerra dos Farrapos, ou Revolução Farroupilha (1835-1845) - a mais longa guerra civil do continente -, foi uma luta dos latifundiários rio-grandenses contra o império brasileiro. As complexas razões do levante - dentre elas, a abolição da escravatura - está nos livros de História que tanto já lemos na escola. E o que não está nesses livros, Letícia Wierzchowski nos conta muito bem, através da fantástica escrita deste romance. 

Com o início da guerra, o general Bento Gonçalves da Silva isolou as mulheres de sua família em uma estância bem afastada das áreas em conflito, com o propósito de protegê-las.

Assim, na manhã do dia 19 de Setembro de 1835, chegam à Estância da Barra, propriedade de D. Ana Joaquina da Silva Santos, uma das irmãs de Bento Gonçalves, a irmã caçula de Bento e D. Ana, Maria Manuela, e suas filhas Manuela, Rosário e Mariana; Caetana, esposa de Bento Gonçalves, sua filha mais velha, Perpétua, e seus outros quatro filhos pequenos. 

D. Antônia, a irmã mais velha dos Gonçalves, também deixou sua casa na Estância do Brejo para dirigir-se à casa da irmã, D. Ana, para receber sua irmã caçula, sua cunhada e todos os seus sobrinhos e sobrinhas. 

E foi a partir desse dia que a vida dessas sete mulheres, isoladas da guerra e de tudo o mais, começou a se transformar. 


Eu não tenho palavras boas o suficientes para começar esta resenha. Eu já tinha uma noção da história por causa da minissérie homônima transmitida pela Globo em 2003, que foi belíssima por sinal. 

Mas mergulhar na história através da escrita de Letícia Wierzchowski foi completamente diferente e uma experiência fantástica!

O que começa como uma feliz reunião de família, onde as sobrinhas adolescentes encontram-se emburradas por terem deixado os bailes da corte para se enfiar numa estância longe de tudo, torna-se uma experiência transformadora e sem volta para cada uma das pessoas dentro daquela casa. 

Para algumas, o sonho de encontrar o amor de sua vida foi realizado. Porém, nem todas tiveram a chance de viver esse amor "até que a morte os separe".

Mães e tias amorosas viram seus filhos e sobrinhos irem para a guerra como jovens nos últimos anos da adolescência e, 10 anos depois, voltarem - os que conseguiram - homens feitos, trazendo no peito e nos olhos a tristeza e a amargura da guerra com as quais teriam de conviver para sempre. 

Maridos foram mortos sem que pudessem se despedir de seus filhos e esposas, e outros, se não morreram na guerra, morreram depois dela, de tristeza.

A incrível jornada vivida por cada um dos personagens vai ficar marcada para sempre na minha memória. 

Rosário e Manuela - minha personagem preferida -, embora compartilhassem da mesma determinação de viverem seu amor da melhor maneira que pudessem, tiveram destinos bem diferentes, ambos tristes e ambos por amor. Ou loucura. Quem é capaz de distinguir?

Caetana viveu os piores desesperos que uma mulher pode viver, tendo seus homens - marido e filhos - na guerra. E, ainda assim, apesar de castigada pelos 10 anos da guerra, nunca deixou de acreditar neles e de ter fé. 

Giuseppe Garibaldi, com seu sorriso cativante e seu coração cheio de sonhos, sempre corajoso e disposto, lutava por uma pátria que, apesar de não ser a sua, foi a que lhe apresentou o amor da maneira mais profunda. 

D. Antônia, que começa no livro um pouco quieta, de poucas palavras, ressentida pela perda precoce de seu marido, muitos anos antes da guerra começar, chega ao final dele com mais alegria, mais leve e de coração mais compassivo, apesar das tragédias todas vividas por sua família.

Bento Gonçalves, nosso general protagonista, foi um herói tanto no começo, quando cada homem desejoso de que o império chegasse ao fim e que viesse a república, colocava sua vida em suas mãos e sob sua responsabilidade, convicto de que seria uma honra oferecer sua vida ou sua morte em prol desse sonho, quanto no fim, depois de tantos anos se cobrindo com o sangue de seus irmãos de revolução. 

Diferente das minhas outras resenhas, onde eu costumo falar sobre a história do livro de maneira geral, eu só pude contar rapidamente sobre de que se trata este romance e destacar minha admiração a alguns personagens. 

É impossível eu querer resumir aqui a história de cada um, com seus altos e baixos, suas alegrias e tristezas. E mais impossível ainda é descrever o que senti enquanto lia sobre todos eles. 

Assim que acabei a leitura e fechei o livro, minha vontade era a de abri-lo e começar tudo novamente. Ainda não estou preparada para me despedir desses personagens, desse cenário ou dessa trama em geral. Fico feliz porque ainda resta-me o consolo de ler, em seguida, os dois livros restantes da trilogia, que já tenho aqui. 

Para terminar esta resenha um tanto confusa e cheia de emoção, só posso dizer que A casa das sete mulheres é um dos melhores livros que já li na vida. Recomendo a todos os leitores, sem medo de errar. Tenho certeza de que dificilmente haverá alguém que não fique deslumbrado com este livro, senão pelo riquíssimo relato da Guerra dos Farrapos, pela maravilhosa e poética escrita de Letícia Wierzchowski, autora de quem eu me arrependo agora amargamente de nunca ter lido nada antes. 

Não só dou 5 estrelas para este livro, como torno-o um dos meus favoritos e recomendo a todo mundo. 







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